إجمالي مرات مشاهدة الصفحة

الأربعاء، 16 فبراير 2011

Marian Keyes losangles 2

e eu ressalto a palavra homem, vive sonhando com isso digital ou aquilo Bang e Olufsen.) – Portanto, o programa de hoje à noite foi cancelado.
-Ótimo! – exclamei, mas na mesma hora lembrei que eles eram amigos de Garv. – Bem, não achei ótimo ele quebrar o dedão, é claro, mas é que eu tive um dia cheio e...
-Tudo bem – concordou Garv.- Eu também não queria ir. Estava pensando em ligar para ele e dar a desculpa de que nossa casa tinha pegado fogo, ou algo assim.
-Legal. Bem, a gente se vê em casa.
- O que vamos fazer com o jantar? Quer que eu compre alguma comida pronta pelo caminho?
-Não, você já fez isso ontem. Deixe que eu levo.
Lancei-me em uma orgia louca de desligar tudo que estava em cima da mesa quando alguém disse:
-Vai para casa, Maggie?
Era a minha chefa, Francês, e a palavra já podia não ter sido pronunciada, mas eu ouvi a insinuação claramente.
- Vou – confirmei, e para não deixar duvidas, completei: - Para casa – com a voz educada, mas firme, tentando manter o tom sempre tremulo sob pressão livre de vestígios de medo.
- Aquele contrato já ficou pronto para a reunião de amanhã?
- Ficou – garanti, Não, é claro que não estava pronto. Ela estava falando de outro contrato, um que eu ainda nem começara a redigir. Não adiantava nada eu choramingar com Francês, dizendo que eu tinha passado o dia todo enrolada no frenesi de costurar um grande acordo. Ela era uma super-realizadora, caminhando a passos largos para se tornar sócia da firma, e transformava o trabalho duro em uma espécie de arte performática. Raramente saia do escritório e, segundo sua opinião popular (não que ela fosse popular, é claro), dormia debaixo da mesa e se lavava, como uma mendiga, no banheiro da empresa.
- Posso dar uma olhadinha?
- O texto ainda não está no formato final – disse eu, meio sem graça. – E eu preferia esperar até ficar pronto, antes de lhe mostrar.
Ela me lançou um olhar intenso e demasiadamente longo.
- Quero esse contrato na minha mesa manhã às nove e meia – disse, por fim.
- Certo! – Os bons espíritos pelo fato de eu ter escapado e estar com a noite livre se soltaram da jaula. Enquanto ela saiu pelo corredor, martelando o piso com os saltos altos, olhei com ar pensativo para o computador que acabara de desligar. Será que não era melhor eu ficar mais umas duas horinhas e resolver aquilo de uma vez? Mas eu não conseguia. Perdera tudo. Perdera o entusiasmo, a ética profissional e sei lá mais o quê. Assim, em vez de trabalhar, resolvi que ia chegar um pouco mais cedo no dia seguinte para completar a tarefa.
Eu não tinha comido quase nada o dia todo. Na hora do almoço, em vez de parar de trabalhar, vasculhei uma das gavetas da escrivaninha em busca de uma barra de chocolate comida pela metade, que eu lembrava vagamente de ter abandonado ali, dias ante. Para minha alegria, eu a encontrei. Tirei os clipes que haviam ficado grudados nela, raspei o resto da sujeira e, sevo confessar, ela estava deliciosa.
Assim, quando fui dirigindo para casa, estava com fome, e lembrei que não havia nada para comer em casa. Comida era um grande problema para Garv e para mim. Subsistíamos, como a maioria das pessoas que conhecíamos, a base de pratos prontos para microondas, comidas para viagem e jantares fora de casa. Uma vez ou outra – ou, pelo menos antes de as coisas começarem a ficar esquisitas entra nós-, quando já havíamos esvaziado o estoque de preocupações comuns, passávamos algum tempo encucados por não estarmos tomando vitaminas em quantidade suficiente. Então, abraçávamos uma nova e mais saudável filosofia de vida e comprávamos um frasco imenso de multivitamínicos, que tomávamos por um ou dois dias e depois deixávamos de lado. Ou então fazíamos uma excursão louca ao supermercado, esticando os braços escorbúticos para arrebanhar imensos brócolis, cenouras com um alaranjado suspeito e maças suficientes para alimentar uma família de oito pessoas por uma semana.
- A saúde é nossa primeira riqueza – dizíamos, felizes da vida, pois nos parecia que comprar comida crua era eficiente por si só. Depois, quando ficava claro que tudo aquilo precisava ser comido é que começava os problemas.
Eventos súbitos surgiam, conspirando para frustrar nossos planos culinários: precisávamos trabalhar até mais tarde ou ir ao aniversário de alguém. A semana seguinte era geralmente gasta em uma percepção desconfortável de que toda aquela comida estava ali, implorando por nossa atenção. Mal agüentávamos ir até a cozinha. Imagens de couves-flores e uvas pairavam em algum canto da nossa consciência pesada, e jamais nos sentíamos totalmente em paz. Lentamente, dia após dia, conforme a comida ia estragando, nós a jogávamos fora, furtivamente, sem jamais contar um ao outro o que estávamos fazendo. E só quando o ultimo kiwi fosse carregado pelo caminhão de lixo é que a sombra escura se elevava e conseguíamos relaxar novamente.
Uma pizza congelada a qualquer hora era muito menos estressante.
E foi exatamente isso que eu comprei para a refeição daquela noite. Estacionei meio torto, corri até o Spar e joguei duas pizzas e algumas caixas de cereal matinal dentro da cestinha. Foi quando o destino interveio.
Eu não consigo passar sem comer chocolate por semanas a fio. Ok, dias. Só que se eu provar um pouquinho, quero mais e mais, e a barra de chocolate cheia de sujeira grudada desperta a besta faminta em mim. Por causa disso, ao ver trufas artesanais em uma das geladeiras do mercado, decidi num impulso deixar que o demônio guloso que havia em mim justificasse aquilo, engrenei um “que se dane” e comprei uma caixa.
Quem sabe o que teria acontecido se eu não tivesse feito aquilo? Será que algo tão inócuo quanto uma caixa de chocolates pode ter alterado todo o curso da minha vida?
Garv já chegara em casa e nos cumprimentamos meio sem jeito. Não esperávamos passar a noite em companhia um do outro; estávamos meio que dependentes de Liam e Elaine para diluir a atmosfera estranha que rolava.
- Donna telefonou. Na verdade, acabou de desligar – avisou ele. – Ela disse que vai ligar para você no trabalho, amanhã.
- O que ela contou de novidades?
Donna tinha uma vida amorosa confusa e meio caótica, e eu, sendo uma de suas melhores amigas, tinha como tarefa lhe fornecer conselhos. Mas ela também costumava consultar Garv, para obter o que chama de “perspectiva masculina”, e ele era geralmente tão útil que lhe colocara o apelido de Doutor Amor.
- Robbie quer que ela pare de raspar os pêlos debaixo do braço. Ele diz que acha sexy, mas ela está com medo de içar parecendo um gorila.
- E qual foi seu conselho?
- Que não há nada de errado em mulheres com cabelo...
- Ah!... sei!...
- ...mas se ela realmente não estava a fim disso, deveria dizer a ele que ia parar de raspar os pêlos debaixo do braço se ele começasse a usar calcinhas de mulher. Estilo “ seu eu pago mico, você também tem que pagar”.
- Você é um gênio. De verdade.
- Obrigado.
Garv tirou a gravata, colocou-a sobre as costas da cadeira e passou os dedos pelos cabelos, se livrando dos vestígios de sua persona profissional. No trabalho o seu cabelo era arrumado, todo mauricinho: bem curto na nuca e esticado para trás na testa, mas fora do escritório as pontas lhe caiam sobre os olhos.
Existem homens que são tão bonitos e atraentes que vê-los pela primeira vez é como receber uma marretada na cabeça. Garv não é um desses; é mais o tipo de homem que você pode ver toda manhã durante vinte anos, até que um belo dia acorda e pensa: “Puxa, até que ele é legal. Como é que eu não tinha percebido até hoje?”
Sua mais obvia atração era a altura, mas eu era alta também, então nunca saia por ai dizendo: “Olhem, vejam como ele é comprido!” A vantagem é que eu podia usar sapatos de salto alto ao lado dele, detalhe que me agradava – minha irmã Claire foi casada com um homem que tinha a mesma altura que ela, então era obrigada a usar salto baixo para ele não ficar se sentindo um tampinha. E olhem que ela adora sapatos. Até que, de repente, ele teve um caso com outra mulher e a largou, por tanto eu acho que no fim tudo da certo.
- Como foi no trabalho, hoje? – perguntou Garv.
- Basicamente horrível. Como foi o seu?
- Péssimo na maior parte do dia. Mas tive dez minutos bons entre quatro e quinze e quatro e vinte e cinco, quando fiquei em pé na escada de incêndio fingindo que ainda era fumante.
Garv é atuário, o que o torna alvo fácil para acusações de ser um sujeito chato – e no primeiro contato as pessoas confundem o jeito calmo dele com chatice. Na minha opinião, porém, é um erro igualar ao numero de vezes que a pessoa mastiga uma garfada com chatice. Um dos caras mais chatos que eu já conheci foi um escritor idiota que se chama John e namorou Donna. – nada mais criativo, não acham? Saímos para jantar uma noite e ele quase nos colocou para dormir com um monologo sacal a respeito de outros escritores e o quanto são apenas mercenários e ganham mais do que merecem. Em seguida, começou a me interrogar sobre o que eu achava a respeito de uma coisa e outra coisa, cutucando e explorando tudo com a intimidade de um ginecologista. “Como você se sente? Triste? Triste como? Completamente arrasada? Ah, agora sim!” Então correu para o banheiro dos homens e eu tive certeza de que ele anotou tudo o que eu havia dito em um caderninho para usar depois, no livro que estava escrevendo.
- Você não precisa ficar com ciúme por causa de uma tevê de plasma de Liam – disse eu a Garv, feliz por poder fingir que seu jeito amuado era por causa de que seu amigo tinha mais aparelhos eletrônicos do que ele. – Afinal, a tevê não o atacou? Tinha mesmo que ser sacrificada.

- Ahn... – Garv deu de ombros, do jeito que sempre fazia quando estava chateado. – Eu não estou chateado. – A questão é: você sabe quanto ela custou? – perguntou ele, falando depressa.
É claro que eu sabia. Toda a vez que eu ia a cidade com o Garv, tínhamos que passar no departamento de eletrônicos da Brown Thomas para ficar parados diante da tal tevê, admirando-a no alto de seu glorioso preço de doze mil libras. Embora Garv ganhasse bem, seu salário não chegava nem perto do de Liam, cujo valor tinha tantos dígitos que mais parecia um número de telefone. E com a prestação da nossa casa, o custo alto de manter dois carros, o vício de Garv por CDS e o meu vicio por cremes faciais e bolsas, não sobrava grana no orçamento para tevês de plasma.
- Ora, anime-se, provavelmente ela parou de funcionar, depois de despencar da parede. E logo, logo você vai poder comprar uma igual
- Você acha...?
- Claro que acho. Assim que acabarmos de mobiliar a casa. – Esse argumento pareceu funcionar. Erguendo o corpo um pouco e parecendo mais animado, ele me ajudou a desempacotar as compras. E foi quando tudo aconteceu.
Ele pegou a caixa de trufas “que se dane” e exclamou:
- Olhe só! - Seus olhos brilharam. – Novamente esses chocolates. Será que eles estão nos perseguindo?
Eu olhei para ele, olhei para a caixa e de volta para ele. Não tinha idéia de sobre o que ele estava falando.
- Você sabe – insistiu ele, com ar empolgado. – São os mesmos que nos comemos quando...
Parou de falar de repente. Meu cenho se franziu com curiosidade e eu o encarei. Ele me encarou de repente e, subitamente, um monte de coisas surgiu na minha cabeça. O olhar brincalhão desapareceu do seu rosto e foi substituído por uma expressão de medo. Horror até. E antes mesmo que os pensamentos começassem a tomar forma em minha mente, eu soube. Ele estava falando de outra pessoa, de um momento compartilhado com uma mulher que não era eu. E acontecera recentemente.
Senti como se eu estivesse caindo, e pareceu que eu ia continuar caindo para sempre. Então, de repente eu me forcei a parar. E descobri mais uma coisa. Não ia fazer aquilo. Não ia agüentar observar a espiral descendente do meu casamento começar a sugar outras pessoas e fazê-las gritar loucamente em seu vórtice.
Chocada e imóvel, com os olhos grudados no dele, implorei silenciosamente, desesperada para que ele fizesse algo que servisse de explicação e fizesse aquele clima estranho ir embora. Mas o rosto dele estava petrificado de horror – o mesmo horror que eu senti.
- Eu... – tentou ele, mas não disse mais nada.
Senti uma fisgada de agonia no dente do siso e, então, como se eu estivesse sonhando, saí da sala.
Garv não me seguiu; ficou na cozinha. Não ouvi som algum e imaginei que ele continuava parado ali, no mesmo lugar em que eu o deixara. Ainda em meu pesadelo ambulante, peguei o controle remoto, liguei a tevê e fiquei esperando o momento de acordar.


CAPÍTULO 2

Não trocamos mais nenhuma palavra pelo resto da noite. Talvez eu devesse ter feito um escândalo, querendo saber dos detalhes – Quem era ela? Há quanto tempo aquilo vinha rolando? Porém, mesmo nos meus melhores dia eu não era assim, e depois de tudo o que nós havíamos passado nos últimos tempos, já não tinha mais vontade nenhuma de brigar.
Se ao menos eu fosse mais parecida com as minhas irmãs, que eram fabulosas no quesito “expressar dor” – especialista em esmurrar portas, bate com o telefone no gancho, atirar coisas nas paredes e guinchar... O mundo inteiro sempre era informado da sua raiva/desapontamento/namorado safado/musse de chocolate que sumira da geladeira. Eu, porém, nascera sem o gene de diva e, talvez por isso, quando a devastação me atingia, normalmente ficava quietinha, remoendo aquilo na cabeça, tentando entender o lance. Meu sofrimento era como um cabelo encravado que crescia e se enroscava cada vez mais para dentro da pele. O problema é que tudo que entra tem que sair, e a minha dor invariavelmente emergia na forma de um eczema escamoso, cheios de flocos e úmido, sempre localizado no braço direito. Aquilo era o barômetro mais confiável do meu estado emocional, e havia noites em que a coisa formigava e pinicava tanto que eu coçava até o braço sangrar.
Fui para a cama antes de Garv e, para minha surpresa, consegui pegar no sono – devido ao choque, talvez? Então, acordei em algum momento indeterminado da madrugada e fiquei ali deitada, olhando para o escuro. Provavelmente eram quatro horas da manhã. Quatro da manhã é a hora mais sombria da noite, o momento em que estamos na maré mais baixa. É quando as pessoas doentes morrem. É quando as pessoas que estão sendo torturadas entregam os pontos. Minha língua estava áspera e meu maxilar doía; andara novamente rangendo os dentes. Não era de se espantar que o meu dedo do siso estivesse implorando por um pouco de atenção, fazendo um ultimo apelo desesperado antes que eu o desgastasse até a gengiva.
Então, franzindo os olhos, enfrentei a repulsiva revelação de frente. Essa tal de mulher-trufa – será que Garv tinha realmente um caso com ela?

Em agonia, admiti que provavelmente sim; os sinais estavam todos lá. Se eu estivesse olhando de fora, chegaria à conclusão de que, definitivamente, ele tinha um caso na rua, mas sempre é diferente quando a nossa própria vida é que está sendo analisada.
Temia que algo assim pudesse acontecer, tanto que já estava meio preparada para o fato. Naquele momento, porém, depois que a bomba explodira, já não me sentia tão pronta. Ele exibiu um brilho tão grande no olhar quando reparou no chocolate “deles”... Foi algo terrível de presenciar. Ele devia estar aprontando alguma. Só que aquilo tudo era muita coisa para eu assimilar, então voltei ao ponto de não acreditar. Isto é, se ele estivesse mesmo pulando a cerca eu evidentemente perceberia, certo?
A coisa mais obvia a fazer seria perguntar a ele de forma direta e acabar com as especulações, mas ele provavelmente ia mentir descaradamente. Ou, ainda pior, podia me contar a verdade. Do nada, começou a me surgir na cabeça um dialogo típico de um filme B. a verdade? Você não agüentaria enfrentar a verdade!
Os pensamentos continuavam a surgir. Poderia ser alguém com que ele trabalhava? Será que eu conhecera na festa de Natal da firma? Revistei minhas lembranças daquela noite no esforço de localizar um olhar diferente ou um comentário significativo. Mas tudo o que eu me lembrava era dele curtindo uma dana judaica com Jéssica Benson, uma de suas colegas. Será que era ela? Mas ela tinha sido tão simpática comigo. Se bem que se eu estivesse transando com o marido de outra mulher, talvez também fosse legal com elas. Tirando as mulheres com que Garv trabalhava, havia as namoradas e amigas dos colegas – mas elas eram minhas amigas também. Fiquei com vergonha só de pensar naquilo, mas não conseguia evitar. Subitamente eu não confiava em ninguém e suspeitava de todas.
E quando a Donna? Ela e Garv sempre trocavam boas risadas juntos, e ela o chama de Doutor Amor. Fiquei gelada de me lembrar que li em algum lugar que apelidos especiais eram uma indicação clara de que as pessoas estavam afim uma da outra.
Mas então, com um suspiro, retirei as queixas e mandei soltarem Donna: ela era uma das minhas melhores amigas, e não podia acreditar que ela estivesse me aprontando algo assim. Além do mais, por motivos que só ela conhecia, Donna era louca pro Robbie, o esquisito. A não ser que ele fosse uma pista falsa bem elaborada. Mas então me lembrei de uma coisa que me convenceu totalmente de que Garv não estava tendo um caso com Donna: o fato de que ela lhe contara a respeito de sua verruga. Para falar a verdade, ela arrancara a bota, tirara a meia e esticara o pé na direção dele para que ele pudesse constatar por si próprio o quanto ela era nojenta. Quando as pessoas estão apaixonadas uma pela outra, não contam nada a respeito de verrugas. Tudo funciona à base de mistérios, sutiãs pouco práticos e patrulha diária para manter as pernas bem depiladas – pelo menos é o que dizem.
E quanto à minha amiga Sinead? Garv era tão gentil com ela...Mas fazia só três meses desde que o namorado dela, Dave, lhe dera um chute na bunda. Ela certamente estava fragilizada demais para se envolver em um caso com o marido de uma amiga – é frágil demais para qualquer homem se chegar, certo? A não ser que a fragilidade dela tivesse encantado Garv. Mas ele já não tinha fragilidade suficiente em mim? Por que procurar xícaras lascadas pela rua quando você já tem uma em casa, quebradinha, absolutamente reduzida a cacos?
Ao meu lado, percebi que Garv também estava acordado – sua respiração profunda meio pesada o entregou. Poderíamos conversar. Só que não fazíamos aquilo havia meses, na verdade nem tentávamos. Eu não ouvi a inspiração forte que precede a emissão de uma palavra, então me assustei quando o breu total do quarto foi violado pela voz de Garv:
- Desculpe.
Desculpe. A pior coisa que ele poderia ter dito. A palavra ficou pendurada no escuro, sem ir embora. Ecoava na minha cabeça sem parar. Foi ficando cada vez mais fraca, até que eu achei que apenas imaginara ouvi-la. Minutos se passaram. Sem ao menos responder, virei de costas para ele e, para minha surpresa, tornei a pegar no sono.

De manhã acordamos tarde e havia sangue debaixo das minhas unhas, de tanto eu coçar o braço. Meu eczema voltara com força total - eu ia acabar novamente tendo de usar luvas para dormir, se aquilo continuasse. Mas será que ia continuar? Mais uma vez tive a sensação de estar caindo.
Mantive-me ocupada, tomando uma ducha e preparando café, e quando Garv disse “Maggie” e tentou interromper meu vai-e-vem incessante, eu me desviei dele e disse-lhe, sem olhar para seu rosto: “Vou voltar tarde.” E saí, carregando comigo aquela sensação vazia de quatro da manhã.
Apesar de ter evitado enfrentar Garv, acabei me atrasando para o trabalho e o contrato não estava sobre a mesa de Frances às nove e meia da manhã. Ela suspirou, dizendo:
- Oh, Maggie - em um tom de “não-estou-zangada-com-você-estou-apenas-desapontada”. - Essa tática visava alcançar partes que uma esculhambação não conseguiria, e a finalidade era fazer a pessoa se sentir envergonhada e cagada. Entretanto, eu até que gostei do fato de não levar uma esculhambação. Imagino que não era essa a reação que Frances esperava.
Sentia-me totalmente perdida, mas o mesmo tempo estranhamente calma, de uma forma pouco natural - quase como se estivesse esperando por uma catástrofe durante algum tempo que era uma espécie de alívio quando ela finalmente acontecia. Como eu não fazia a mínima idéia de como me comportar nessas circunstâncias, decidi imitar todo mundo e mergulhei no trabalho. Não era estranho, pensei, que depois de um choque tão terrível eu ainda estivesse funcionando como sempre? Então reparei que estava dando cliques duplos no mouse por causa das minhas mãos, que tremiam.
Por uns instantes, consegui me perder numa causa contratual, mas o tempo todo uma realidade me assombrava: Tem algo muito errado. Ao longo dos anos, como todo casal, Garv e eu havíamos tido nossas brigas, mas nem a mais violenta delas me deixara daquele jeito. A pior discussão fora uma daquelas meio estranhas, e começaram a partir de uma desavença exaltada sobre se uma saia que eu comprara era marrom ou roxa, e tudo de repente degringolara para uma amarga tomada de posição, com acusações de daltonismo e hiper-sensibilidade voando nas duas direções.
(Garv: “O que há de errado com a saia ser marrom?”
Eu: “Tudo! Mas ela não é marrom, é roxa, seu cegueta burro e daltônico.”
Garv: “Ei, é só uma saia. Tudo o que eu disse é que eu estava surpreso por você ter comprado uma saia marrom.”
Eu: “Mas eu NÃO COMPREI! É ROXA!”
Ele: “Você está fazendo tempestade num copo d’água.”
Eu: “Claro que NÃO. Eu NUNCA compraria uma saia marrom. Será que você não sabe nem isso a meu respeito?”)
Na época, eu achei que jamais conseguiria perdoá-lo. Estava errada. Só que dessa vez era diferente, eu estava terrivelmente certa a respeito.
Na hora do almoço, já não agüentava mais ficar cuidando das pilhas de trabalho urgente, então fui até a Grafton Street em busca de consolo. O que acabou vindo sob a forma de gastar dinheiro - de novo. Sem entusiasmo, comprei uma vela aromática e uma cópia barata (relativamente barata) de uma bolsa Gucci. Só que nenhuma das duas compras preencheu o meu vazio. Então eu parei na farmácia, a fim de comprar um analgésico para a dor de dente, e fui interceptada por uma mulher de cara redonda alaranjada vestindo um guarda-pó branco que me disse que, se eu comprasse dois produtos Clarins - um deles tinha que ser para a pele -, ganharia um brinde. Com ar apático concordei, encolhendo os ombros: “Tá legal.”
Ela mal acreditou na sua sorte e, quando sugeriu o produto mais caro - o soro cosmético em frascos de 100 ml -, novamente eu concordei, dando de ombros: “Claro.”
Gostei de ganhar um brinde - achei a idéia do presente muito consoladora. Só que quando cheguei de volta ao trabalho e abri o meu presente, vi que ele era muito menos interessante do que parecia na foto: uma sombra com uma cor estranha, um miniminimini tubo de base, quatro gotas de creme para os olhos e um dedal minúsculo com um perfume meio azedo. O anticlímax baixou e então, em um inesperado ataque de normalidade, pintou a culpa, que se instalou e foi inchando sem parar, à medida que a tarde seguia. Eu precisava parar de gastar dinheiro. Assim, na primeira vchance que tive de dar uma saidinha, corri até a Grafton Street para tentar devolver a bolsa - não dava para devolver os produtos Clarins porque eu já experimentara os brindes -, mas eles não me devolveram o dinheiro, só um vale-compra. E antes de conseguir voltar para o carro, bati os olhos em uma sandália de dedo amarela cheia de florzinhas e, como em um experiência extra corpórea, me vi dentro da loja, entregando o meu cartão e gastando mais trinta paus. Não era seguro me deixar solta pela rua.

Naquela mesma noite fui a uma reunião com o pessoal do trabalho e fiz uma coisa que normalmente não faço em festas do escritório - fiquei bêbada. Bêbada 

ليست هناك تعليقات:

إرسال تعليق